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Os coronéis da Polícia Federal Postado em 07/03/2012 por SINPEFRN às 00:00

No dia 28 de março, comemoram-se os 68 anos do Departamento de Polícia Federal.  Pelo inegável esforço no cumprimento das atribuições de polícia judiciária da União e no trabalho de prevenção e repressão do tráfico de drogas, contrabando, corrupção, desvio de verbas públicas, crimes do colarinho branco, dentre tantos outros crimes, a instituição, seus dirigentes e servidores merecem cumprimentos e aplausos.

 


Os avanços das técnicas de investigação, sistemas informatizados, laboratórios para exames periciais, viaturas, aeronaves e equipamentos modernos, armamentos de última geração e cursos de pós-graduação simbolizam as metas da Polícia Federal do século XXI.

 

Por outro lado, nos bastidores do glamour das grandes operações policiais, que conquistaram a simpatia da mídia e da opinião pública, muitos servidores da PF convivem com uma realidade bem menos festiva.

 

Relações hierárquicas autoritárias, perseguições pessoais, privilégios, assédio no ambiente de trabalho, métodos de gestão pouco democráticos, decisões administrativas eivadas de subjetividade, em especial aquelas relacionadas à gestão de pessoal, tais como falta de critérios em remoções, viagens, escolha de chefias e ações de capacitação, ilustram os traços da “moderna” Polícia Federal do século passado.

 

Um breve resgate histórico é essencial para entender as origens e as razões da cultura gerencial e administrativa da instituição, concebida e reformulada em períodos autoritários.

 

O Departamento Federal de Segurança Pública foi criado em pleno Estado Novo, no dia 28/03/1944, quando a antiga polícia do Distrito Federal ganhou status de abrangência nacional, com subordinação ao Ministério da Justiça. Em 16/11/1964, oito meses após o golpe que marcou o início dos 21 anos de ditadura militar no Brasil, a Lei nº 4.483/64 reorganizou e ampliou a estrutura e atribuições do órgão. O dia 16 de novembro também já foi considerado a data de aniversário da PF.

 

No ano seguinte, o general-presidente Castello Branco decretou a Lei nº 4.878/65, ainda em vigor, que dispôs sobre as peculiaridades do regime jurídico dos policiais civis da União e do Distrito Federal. Os capítulos sobre deveres, transgressões disciplinares e penalidades mereceram especial atenção e foram copiados de regulamentos da caserna.

 

De clara inspiração militar, a lei definiu a função policial como “fundada na hierarquia e disciplina”. A expressão se tornaria um mantra para os chefes da PF. Quase sempre, também pretexto, justificativa ou álibi para abusos cotidianos.

 

O nome “Departamento de Polícia Federal” foi dado pelo Decreto-lei nº 200, de 1967, baixado pelo regime de exceção com objetivo de orientar uma reforma administrativa de pretensão modernizadora, anulada pelo estilo autoritário e centralista, que se tornou a marca registrada do período.

 

Por óbvio, no início de sua história, a maioria esmagadora dos dirigentes da PF foi escolhida nos quadros militares. Entre 1944 e 1992, apenas seis civis ocuparam o cargo de diretor-geral, dos 31 nomeados no período, sendo cinco nos dois primeiros anos. De 1946 a 1986, 26 oficiais do Exército Brasileiro se revezaram no comando: foram dez generais, dez coronéis, um tenente-coronel e um major.

 

O mais longevo deles, coronel Moacyr Coelho, que dirigiu a PF por exatos 11 anos (1974/1985), ainda é lembrado por alguns policiais federais da velha guarda, mais pelo que era temido do que pela capacidade de liderança. Mas justiça seja feita: o coronel estava doutrinado pela cartilha de seu tempo.

 

Após o famoso Ato Institucional nº 5, em 1968, além de operacionalizar a censura imposta pelos militares, a instituição também assumiu o papel de “polícia política”, com a missão de apurar as ditas infrações contra a segurança nacional e a ordem política e social. 

 

O viés paramilitar e o regime de disciplina na formação de seus quadros, impostos aos alunos da Academia Nacional de Polícia marcaram gerações de novos policiais federais. A PF não ficou imune à profunda influência da ideologia, estrutura e disciplina castrense, que resultou na militarização das organizações policiais de forma geral.

 

Após quatro décadas sob a direção dos militares, já na Nova República, do presidente José Sarney, entre 1986 e 1992, a PF foi dirigida pelo delegado da Polícia Civil de São Paulo e depois senador Romeu Tuma, falecido em 2010. Tuma ficou conhecido nacionalmente no final da década de 70, quando chefiou o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) paulista, encarregado de reprimir de lideranças dos meios políticos, sindicais e estudantis, opositores à ditadura militar.

 

Em 1992, o delegado Amaury Galdino - o primeiro escolhido entre os quadros da própria PF – assumiu a direção do órgão. O coronel Wilson Romão foi o último militar que ocupou a direção geral da instituição (1993/1995). A partir de então, com a nomeação do delegado Vicente Chelloti, a PF passou a ser chefiada apenas por delegados federais. Depois dele, oito delegados se sucederam na direção-geral.

 

Apesar da Constituição de 1988, que estendeu os direitos de sindicalização e filiação partidária aos policiais civis e assegurou ampla liberdade de opinião e manifestação do pensamento, ainda persistem resquícios do entulho autoritário. Ainda que, por força de lei, com dez anos de atraso, os censores tenham sido extintos formalmente. Em 1998, 116 dos remanescentes censores federais foram alçados ao cargo de delegado da PF.

 

As reiteradas tentativas de inibir ou amordaçar representantes sindicalistas, o “assédio disciplinar”, da qual são vítimas os servidores que se atrevem a pensar de forma independente, dos que ousam reivindicar tratamento respeitoso ou dos “subversivos” que se aventuram a fazer críticas e sugestões – ainda que imbuídos de interesse público, mas inconvenientes para alguns – são exemplos de que o legado dos finados coronéis ainda persiste nos corredores da gloriosa Polícia Federal.
Mas festa de aniversário deveria ser motivo só de orgulho e celebração. Então, comemoremos: “Parabéns, Polícia Federal. Viva a democracia!”


Josias Fernandes Alves, Agente de Polícia Federal, formado em Jornalismo e Direito, é Diretor de Comunicação da FENAPEF e conselheiro do SINPEF/MG. josiasfernandes@hotmail.com

Fonte: Agência Fenapef

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