Por: HUDSON CORRÊA
O ARAPONGA
O sargento Dadá, preso com Cachoeira e libertado em junho. Ele usava um amigo na PF para favorecer outras amizades (Foto: Sergio Lima/Folhapress)
A cada semana, chegam ao Congresso Nacional documentos sigilosos sobre a organização criminosa do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O material inclui gravações telefônicas, movimentação bancária de empreiteiras, Imposto de Renda dos suspeitos e relatórios da Polícia Federal (PF). Eles abastecem os integrantes da CPI encarregada de investigar os negócios do contraventor. O temido arsenal, de onde saiu munição contra o senador Demóstenes Torres e os governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF), é guardado em três salas no subsolo do Senado, monitorado por câmeras 24 horas por dia. Apenas integrantes da CPI podem consultar os documentos, entre as 9 e 20 horas. Celulares e outros aparelhos eletrônicos são retidos do lado de fora. Depois que as luzes se apagam, o local segue vigiado. Entram em cena os seguranças engravatados da Polícia Legislativa do Congresso Nacional, solicitada pelo presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), para vigiar a “sala cofre” da comissão, cômodo de acesso mais restrito, e as duas pequenas salas onde estão dez computadores repletos de arquivos confidenciais digitalizados.
Na semana passada, ÉPOCA descobriu que no comando desses guardiões da noite está um amigo do principal espião de Cachoeira. O chefe do policiamento noturno, Yanko de Carvalho Paula Lima, de 43 anos, aparece nas escutas telefônicas da Polícia Federal na Operação Monte Carlo. Uma série de diálogos captados em abril de 2011 revela que ele pediu ajuda ao sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, conhecido como Dadá, para furar a fila de emissão de passaportes da PF. O segurança precisava, o mais rápido possível, dos documentos dos filhos, um adolescente e uma bebê de poucos meses. A família, com viagem marcada para Las Vegas, nos Estados Unidos, tinha pressa. Dadá, conhecido personagem do submundo de Brasília cujo telefone era monitorado com autorização da Justiça, foi ao auxílio do amigo.
Especialista em filmar, grampear pessoas ilegalmente e obter documentos sigilosos, o sargento e araponga Dadá tinha uma função primordial no bando de Cachoeira, segundo a PF. Ele descobria com antecedência operações policiais contra jogos ilegais para ajudar Cachoeira a escapar de flagrantes. Dadá mantinha uma rede de informantes em órgãos públicos. Um deles era o funcionário administrativo da Polícia Federal Anderson Aguiar Drumond, afastado do cargo assim que a PF descobriu sua atuação no esquema de vazamento para a quadrilha de Cachoeira. Drumond conseguia acelerar a liberação de passaportes, favor que Dadá costumava oferecer a amigos, de acordo com as conversas telefônicas monitoradas pela polícia.
Por volta das 20 horas do dia 18 de abril de 2011, Dadá telefonou para Drumond. “Amanhã te passo o negócio lá do Yanko, dos filhos dele”, disse. “Ah, tá. Tá joia. Se quiser mandar por e-mail. Quer anotar aí?”, respondeu Drumond. O e-mail não chegou. Na manhã do dia seguinte, Dadá telefonou de novo e passou o número do protocolo do passaporte, o nome completo dos filhos de Yanko e o número do telefone celular dele para contato. Logo depois, Dadá ainda ligou mais uma vez para Yanko a fim de confirmar a exatidão dos dados repassados à polícia. Os áudios da gravação podem ser conferidos abaixo. Para preservar a identidade dos filhos e evitar a divulgação de dados pessoais, trechos foram suprimidos.
O araponga Dadá conseguiu que um amigo seu ajudasse o segurança da CPI a obter passaportes na PF
A troca de favores entre o funcionário da Polícia Federal, o araponga de Cachoeira e o policial legislativo chamou a atenção da polícia. Devido a esse episódio, a PF decidiu pedir à Justiça a prorrogação da escuta do telefone de Drumond, o funcionário dos passaportes. O relatório completo de monitoramento das conversas do bando de Cachoeira tem 36 volumes, cerca de 8 mil páginas e 250 mil horas de gravações. Os diálogos desconhecidos podem ser ainda mais reveladores sobre a proximidade de personagens que deveriam estar em lados opostos do balcão.
Yanko nega que, como guardião da “sala cofre”, possa favorecer o esquema do bicheiro. “A chave fica com o presidente da CPI. Minha relação com Dadá é só de amizade. Não tem nada a ver com minha função no Senado. O favor que pedi a ele foi há mais de um ano. Não houve pagamento de dinheiro”, disse. Yanko afirmou já saber que seu nome e o número de telefone aparecem no relatório da PF, mas nada comunicou a seus chefes imediatos. “Vou fazer isso agora”, afirmou, depois de ser procurado por ÉPOCA. Vital do Rêgo disse não ter gostado de saber da amizade dele com um dos principais investigados pela CPI. “Vou mandar imediatamente a Polícia do Senado apurar essa história”, afirmou. “Vou pedir providências. A gente manda afastar o rapaz.”
Preso com Cachoeira em fevereiro, Dadá foi solto no início de junho por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Em sua defesa, ele diz que apenas prestava serviços legais a Cachoeira, que continua detido na penitenciária de Papuda, na periferia de Brasília. A Polícia Federal tem outra avaliação do papel de Dadá. Afirma que, além de usar contatos no serviço público, Dadá negociava pagamento de propina pela construtora Delta e forjava provas contra adversários da organização de Cachoeira. Agora solto, nada se sabe sobre sua atual ocupação.
Dadá, auxiliar de Cachoeira, pede para Anderson acelerar liberação de passaportes na PF para os filhos de Yanko, chefe do policiamento noturno do Congresso
Escute os áudios no site da Época.
Fonte: Revista Época