Nos últimos meses, milhares de policiais federais foram às ruas num grito de socorro em relação à crise que assola a Polícia Federal. Não se trata apenas de reivindicações salariais. O manifesto é contra a gestão de recursos humanos, voltada para a segregação profissional, em que o crescimento institucional de muitos é visto como uma ameaça, e é combatido por poucos.
Em relação aos cargos policiais que compõem a carreira policial federal, todos possuem o nível superior há mais de 15 anos. Porém, a maioria dos atos administrativos produzidos pelos gestores da PF hoje é lastreada por uma política que desvaloriza o agente, o escrivão e o papiloscopista, como justificativa de manutenção da política de segregação funcional.
Diariamente, por exemplo, comissões internas que versam sobre ciência e tecnologia são compostas quase exclusivamente por policiais formados em Direito, em detrimento dos inúmeros servidores pós-graduados nos mais diversos ramos acadêmicos, como Ciência da Computação, Engenharia e Administração.
Para mascarar tal infâmia, bacharéis em Direito são incentivados a fazerem rápidas especializações em Administração, como se fosse possível substituir as mais diversas formações acadêmicas, somadas às sólidas experiências profissionais dos mais diversos especialistas que hoje compõem o quadro de policiais federais.
Não é razoável que as áreas logísticas sejam ocupadas quase que integralmente por policiais formados em Direito, enquanto é desprezada a experiência de servidores com inegável currículo no setor privado, como em áreas gerenciais de empresas multinacionais. Até quando vamos testemunhar o desperdício de recursos públicos, a exemplo do Projeto Vant (Veículo Aéreo não Tripulado), em que um projeto inicial de R$ 660 milhões é suspenso pelo Tribunal de Contas da União (TCU), justamente por falta de planejamento?
Para orientar o recrutamento de pessoal, a PF é obrigada a realizar um estudo científico sobre as atribuições exercidas por todos os cargos. De repente, as entidades sindicais vislumbraram uma maneira simples de comprovar as atribuições complexas que hoje, de fato, são exercidas por grande parte dos policiais federais, atestadas num estudo de natureza pública, conforme pacífico entendimento dos tribunais, feito em conjunto pela Academia Nacional de Polícia (ANP) e o Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), da Universidade de Brasília (UnB).
Mas o regime segregador está atento, e a política de manter as atribuições complexas na informalidade está vigente. Por absurdo que possa parecer, a direção-geral da PF tratou de classificar os resultados do referido trabalho como sigiloso, restringindo seu acesso. Para a manutenção da política de desvalorização e desqualificação dos servidores que não usam terno, no edital do último concurso público os gestores restringiram as atribuições de servidores de cargo de nível superior a tarefas de mera execução e funções como de dirigir veículos policiais e cumprir medidas de segurança orgânica (vigilantes). Já para outros cargos da mesma carreira, estabeleceram-se provas orais e avaliação de títulos.
Em vez de valorizar e reconhecer, na visão da atual Direção-Geral da PF, parece melhor desprestigiar policiais que diariamente dedicam suas vidas na plena construção de complexas investigações sobre crimes financeiros, fraudes previdenciárias e operações de inteligência sobre as mais diversas modalidades de organizações criminosas.
A atual mola propulsora da Polícia Federal é a omissão de uma maioria de servidores que possuem uma relação sadia em suas unidades. Se na linha de frente existe companheirismo e trabalho em equipe, na visão gerencial centralizada dos dirigentes da PF, nem todos os filhos de policiais federais merecem boas escolas. Uns são melhores do que os outros. Seria uma nova forma de eugenia corporativa?
Os milhares de policiais federais que têm participado destas manifestações públicas são discriminados dentro do órgão. A política de restrição dos cargos de livre nomeação ao servidor formado em Direito é uma estupidez, que afronta diretamente as diretrizes atuais de produtividade e valorização do servidor, peça fundamental de qualquer organização, estabelecidas pelo próprio Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG).
O paradoxo da atual gestão da PF continua: como valorizar aqueles que representam um risco à política de castas funcionais? O que fazer quando a maior satisfação vem do sentimento de superioridade?
Para a direção-geral da PF nada disso importa. Afinal, independente dos resultados gerenciais, de difícil mensuração pela inexistência de critérios e índices de desempenho, apesar do desperdício ou corte de recursos, à revelia da grande maioria de servidores desmotivados por serem desvalorizados, independente daqueles que sucumbem à depressão, se afastam do trabalho por ordem médica ou se suicidam, o prêmio está garantido: para alguns desses gestores, o troféu será a nomeação para o cargo de adidância numa embaixada na Europa, com remuneração em dólares.
Sim, existe espaço para todos crescerem e colaborarem para maior eficiência da instituição. A despeito dessa visão ultrapassada de gestão de pessoas e recursos públicos, todos são importantes.
A Polícia Federal pede socorro.
COMANDO DE GREVE DA FENAPEF
Fonte: Agência Fenapef